quinta-feira, março 29, 2007

"old quote" (maio 2003?)

"Olá *******,
A sua intromissão é mais que bem vinda. Eu, alias, não me tinha ainda esquecido que havíamos combinado comunicar desta forma, mas preciso de mais calma do que aquela que tenho tido para o fazer.

Ontem à tarde (domingo depois de uma festinha infantil) tive quase quase para esticar o meu tempo aqui no escritório e escrever-lhe... ainda bem que não o fiz. Seria certamente diferente.
Tenho medo de tornar muito confuso (se não fastidioso) o relato dos últimos acontecimentos. Acontecimentos(?) Bom...

Isto está complicado... não me estou a conseguir organizar... pus a tocar "pelo dia dentro" - Camané, para ver se a disposição melancólica do fado me predispõe.

"quem pensa muito não tem, horas tranquilas, serenas..."

A primeira música chama-se "filosofia" e apanhei-lhe agora esta frase... não sou nada original nas minhas reflexões, não é verdade? Já outros as publicam em forma de fado canção :/

Simplificando:

Vim de Lisboa com disposição para um "vai-ou-racha" qualquer, um "agora-ou-nunca" que talvez na parte do cérebro mais recôndita, aquela que costumo chamar a parte de traz, já soubesse que não ia acontecer. Estarei eu fadada para limbos e pastosidades? Será que o que me falta na verdade é coragem? Para mudar ou para partir? Sentiria eu demasiado a falta de um corpo quente dentro de casa, dentro da cama? Serei eu pouco inteligente para mudar o curso das coisas e manter esse conforto térmico?

Sei lá...

O A******, nalgumas conversas que tivemos, assume uma nova postura. Afirma apenas que agora a nossa relação se rege p'las minhas regras (?) que a mentira e a "traição" são válidas...

No curso destas conversas só lhe perguntei duas coisas... Como é que é que ele "sabia" ou "descobria" tudo o que se passava na minha vida... que a teoria da premonição, além de ser pouquíssimo válida / fiável, era também uma carga horrível de se carregar... (já não me lembro se abordei isto com a J***). Expliquei-lhe que estava perfeitamente disposta a aceitar o facto de ele ter podido ler mails/apontamentos/agendas/diários de bordo... enfim...A segunda coisa que lhe perguntei era se então, e dado a nova "postura", ele estaria enrolado com alguém... eventualmente em Lisboa (?). Que raio de pergunta absurda! Mas a dúvida depois de instalada é um fogo (nisso compreendo o A******) e a ideia de que eu poderia estar eventualmente a subsidiar ($$$) idas a Lisboa que tinham como objecto outra mulher, estava (está?) a deixar-me louca.

Ele negou... com aqueles olhos vazios de tudo... olhos frios e cínicos (acho que também fazem parte da nova postura).

(Parêntesis no relato)

Já por várias vezes expliquei ao A****** a minha visão sobre a nossa (e todas, no fundo) relação. Prefiro a humanidade do erro, do arrependimento, da vergonha, da histeria, que o cinismo/hipocrisia do calculismo. A ideia é vibrar!! Vibrar com a alegria, com os desgostos, com a ida ao supermercado, com a limpeza da casa, com a contabilidade dos tostões, vibrar com a presença do outro, vibrar com a sua ausência. Sentir! E ele quer extirpar a nossa relação de sentimento para não sentir a dor...
Agora que o escrevo, a coisa parece fazer sentido... serei eu a insensível? Evitar a dor parece-me perfeitamente razoável... De qualquer forma será que é obrigatório amputar tudo, para amputar parte? Talvez...

(Fim de parêntesis)

Posto isto, lá me induzi a um estado mais ou menos simpático de relacionamento, até que... um dia (e desta vez involuntariamente) me deparo com um ficheiro informático de nome suspeito (ok ok nos documentos dele, mas esquecidos abertos).
Abri (agora começamos a raiar o conto policial) e qual não é o meu espanto quando me deparo com um documento de texto, onde todas, absolutamente todas as minhas acções no computador estavam registadas. Desde os mails que escrevi, conversas em salas de chat ou messenger e engenhos semelhantes, até mesmo qualquer texto profissional (sendo que uso o mesmo computador para trabalho e lazer).

Escusado será dizer... tudo a que tenho acesso, através de password, também ele passou a ter... claro que há muito que evitava escrever qualquer coisa por mail... nunca fui muito de esconder "passes" e por uma questão de orgulho também não as mudei mesmo depois de suspeitar que o meu e-mail poderia estar a ser violado.

Começou novamente a caça! Caça de informações. Caça de revelações. Caça de conversas e rendições.

Não conseguia compreender sequer com que artes o tinha feito. Não me contive muito, falei-lhe logo do assunto. Mais olhares cínicos mais sorrisos hipócritas. A nova postura strikes again! A mentira agora é válida... Só o facto de se conseguir registar este tipo de informação é mau, mas eu pedi-lhe imenso que me dissesse como soube determinadas coisas e ele mentia de cada vez, dizia que "sentia"... e que nunca leria nada "Tu sabes que eu não minto" como se me atirasse à cara as mentiras que disse. E a moral dele desmorona.

E o estranho é que não desmorona... como se ele tivesse uma força muito maior que a minha... Raios me parta! Raios o parta!

Mais tarde descobri o "bicho". Um programeca anunciado na internet como a cura de todos os males... "is your husband cybercheating? Are your childrean visiting porno sites?". Que decadência!

De qualquer forma esta conversa pareceu-me um bom começo, um alivio, como a J*** me disse... só a verdade remedeia.

Agora via-me livre daquele olho sempre agarrado às minhas costas.

(Parêntesis - talvez relato repetido)

Quando eu era pequena estava proibida de fazer cambalhotas nos "ferros" (aqueles engenhos de aço construídos nos recreios de tantas escolas). "Podes partir a cabeça! E tudo o que tu fizeres eu sei!". Só muitos anos depois, quando já não tinha tanto gozo, aprendi a rodar sobre os "ferros" mas durante esses anos e outros anos senti o olho cravado nas minhas acções. Talvez mesmo com 6/7 anos acreditasse que um "espião-homem" estava escondido entre os arbustos que mediavam a escola e a casa... mas não sei se o conceito abstracto, desencarnado, não é muito mais assustador.

(Fim de parêntesis)

Brinquei até com o assunto, fazia piadas, de qualquer forma não vale a pena se não soubermos rir de nós e das nossas fraquezas. Disse-me que há muito tempo que aqueles ficheiros deixaram de o interessar. Tinha-se resignado a não saber nada sobre mim, não queria fazer-me perguntas e não lhe interessava nada que eu fizesse longe dele... bom ou mau, grandioso ou desprovido de significado. Não queria saber - ponto final.

Aqui começa uma pequenina luta (minha é certo) eu quero ser amada sempre, na presença e na ausência e não suporto que ele se mostre incomodado até, quando lhe relato o meu quotidiano como se esperasse que essa partilha seja só um chorrilhos de mentiras para encobrir todos os actos iníquos do dia.

Depois chegou a minha própria resignação... senti-me compreender melhor a sua dor, disposta a "perdoar" também as suas falhas, a esquecer o triste incidente de ter um olho informático escondido num disco rígido, perceber que o facto de ele ensaiar ciclicamente cartas de despedida em que apenas fala do amor que por mim sente, onde apenas deseja o fim das disputas é uma espécie de garantia de que ele sente! está cansado, eu estou cansada, mas não quero desistir e ele também não o deve desejar ou não estaria aqui.

Dois ou três dias depois de revelado o "espião-máquina" tinha-me disposto a ser fantástica... a tornar tudo brilhante, cobri-lo com carinhos cicatrizantes e ser uma amante activa e disponível (porque às vezes também disso se queixa).

Mas o espinho financeiro que está atravessado nas nossas gargantas ainda nem sequer tinha sido aflorado. (Cá estou eu a sentir-me foleira de o trazer à baila). E para o ser, terei de tornar-me redondamente minuciosa e chata - nesta altura pode interromper a leitura e ir fazer qualquer coisa mais urgente.

Contamos agora:
Palavras - 1339
Caracteres (incl. espaços) - 7911
Caracteres (excl. espaços) - 6606
Parágrafos - 37

Já há alguns dias que sei que tenho a conta da empresa a zeros, e quando digo zeros, digo absolutamente zero escudos (cêntimos, euros, libras esterlinas - nada) a minha conta não estava nada famosa (e com duas rendas de casa em atraso) o que piorou com algumas compras que tive de fazer para a Mad Science e um providencial bloqueamento do carro (30 euros de multa logo ali).

Ontem ao final da tarde, quando cheguei (agora pensando melhor talvez devesse ter esticado cá a tarde a escrever...) começamos a pensar na refeição da noite. "Vamos à casa da tua mãe? Vamos à casa do meu avô?". O A****** tinha trabalhado na noite anterior... e depois de saldada parte da dívida que ele faz questão de cultivar com o café em baixo de casa, sobravam-lhe pouco mais que 10 euros. Óptimo! A minha sugestão é vamos ao supermercado e ficamos com algumas coisas para as próximas refeições... quando chegarmos arrumamos o resto das divisões da casa (agora que pudemos utilizar o aspirador porque se pagou a conta da luz). Parecia-me perfeito.
A contragosto e de semblante carregado o A****** lá foi e a conversa baseou-se na escolha entre bifes de vitela ou iscas de fígado, chegou-se a compromisso e tudo me parecia de qualquer forma relativamente aceitável naquele fim de tarde. Claro que fiz questão que ele pagasse a conta do supermercado. Com um engolir em seco lá se foram os (últimos) 10 euros de monsieur.

O jantar parecia ter amenizado os espíritos... depois de comer senti urgente necessidade de fumar. Fumar. Vicio que ataca ambos de igual forma... para não dizer... bem, pouco interessa.
Na carteira tinha 5 euros, no bolso pouco mais que 1. Pedi-lhe naturalmente (e porque sabia que lhe restavam ainda algumas moedas) que me desse um euro para completar o meu... desceria e compraria cigarros para ambos.

"Não tenho moedas". Ri-me, brinquei com ele...sabia que sim. Perguntei-lhe então em voz doce de mimo se ele não tinha então dois ou três cigarrinhos escondidos para uso pessoal em alturas de grande urgência como por vezes o faz. "Não".

Irrito-me. Parece-me um bocado estúpido. Porque não me dá ele o que lhe peço... ele tb fuma... ele tb fumará qualquer cigarro que eu compre. Penso nos cinco euros da carteira e no deposito vazio do carro - raios eu preciso do carro para trabalhar! Falta uma semana inteira para o fim do mês. Não vou poder receber o meu salário da MS. A mesada chegará providencial... mas! Enquanto isso ele clama que já "deu" todo o seu dinheiro. Deu!

Tudo começa a amargar, não sei descrever discussões, se calhar não interessa nada.
Preparava-me para me borrifar no deposito do carro e ir buscar aquilo que naquele momento me acalmaria a mente quando surge o argumento de que ele ainda tinha algumas (poucas bem certo) moedas mas que não poderia dispensa-las porque na terça feira começaria a trabalhar na feira do livro e estando todo o dia fora de casa não teria dinheiro para comer ou comprar cigarros (o que leva tb a pensar se não tivesse que estar obrigatoriamente afastado de mim se teria essa preocupação). Eu sei que talvez pudesse ter ficado contente com aquele acesso de sensatez, teria ficado certamente se não o soubesse pouco disposto a fazer um pacto comigo, do género, nenhum fuma até haver dinheiro... e se também não soubesse que ele iria à primeira oportunidade comprar fiado um maço no café... ou seja, o dinheiro que ganhar na feira vai direito para pagar apenas uma divida acumulada num estabelecimento que só vende artigos supérfluos.

Egoísta! Mil vezes egoísta! Quando é que ele se preocupa se o dinheiro que eu gasto com ele, é o meu último? Não saberá ele porventura que muitas vezes também não sei se terei dinheiro para a semana seguinte, para o maço seguinte, para a refeição seguinte, para o deposito seguinte. Eu apenas tenho artes de me endividar sem perder tanto a face. Recorro à conta da empresa, à conta dos não facturados, ao dinheiro do curso de história, no fundo no fundo sempre dependente de uns pais que às tantas preferem nem saber o que eu faço ao dinheiro...

Atiro-lhe à cara todas as despesas que ele e a nossa casa me causam. Desejava ardentemente que as minhas palavras lhe causassem algum arrependimento, genuíno e regenerador, recheado de promessas ou quaisquer outras coisas que afastassem os pensamentos que me enchem a cabeça nessas alturas. Pensamentos resumidos num só. Não me deixará ele por causa de um conforto que não é térmico mas apenas financeiro?

Em vez disso apenas uma explosão. Colérica. Feroz. Violenta. Feérica. Explosão de olhos arregalados e gritos de dentes cerrados. De mãos levantadas em forma de bofetada. De murros na mesa. De palavras ditas silaba a silaba. O que é que tu queres? O que é que tu queres? O que é que tu queres mais?

Fico sempre espantada... fico sempre sinceramente espantada. Espantadas as lágrimas que literalmente me saltam dos olhos. Espantada a boca aberta. E espantado o coração que se sobressalta de um quase-medo físico.

Somamos à anterior contabilização:
Palavras - 903
Caracteres (incl. espaços) - 4341
Caracteres (excl. espaços) - 5232
Parágrafos - 15

Fui comprar cigarros.

Deitados mais tarde e apaziguado o barulho aninhei-me nele e perguntei-lhe se ele percebia que tinha sido violento... voz de choro e de pós baba-e-ranho a pedir mimos e senão uma resposta positiva ao menos um abraço forte que sugere, áquele que pergunta, sempre um sim e ao outro parece sempre uma boa forma de fugir à questão. Nem isso. Apenas um impaciente "Não, J****!" em voz a subir de tom depois de uns imperceptiveis acenos negativos de cabeça.
De facto, "Por vezes é necessário que tudo mude, para que tudo possa voltar a ficar na mesma"

Intrometa-se,
um beijo,j*****"