sábado, fevereiro 21, 2009

uma noite em 5 episódios

Uma fila de buffet. Nessa fila negam-nos comida, cobram-nos mais, roubamos qualquer coisa. Sabemos que existem outras salas onde os bolos são feitos com ovos verdadeiros mas nesta sala enorme de congressos, campo de férias, campo de concentração, a comida é composta de pseudo-alimentos e toda a gente faz o melhor que pode para se desenrascar.

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É de noite e num longo corredor de madeira estão expostos quadros. Somos encarregues de os pintar a rolo. As cores são claras: rosa, laranja quase fluorescente. O ditador irá eleger o seu favorito esta noite. Devemos ser rápidos.

A vencedora habitual deste prémio enfurece-se. Aparentemente cometemos um erro. O seu quadro não deveria ter sido profanado. De qualquer forma projectamos sobre ele luz, cores, e à medida que estas se sucedem é visível através da tinta clara um rosto. Um retrato. O ditador.

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Embrenhamo-nos mais fundo no campo, na casa, na instituição. Os percursos são interiores e também exteriores. Na rampa alcatroada ao ar livre ficamos na fila. Voltámos ao magote de gente que se atropela para o buffet. Há transexuais, gente deformada, avisto o nosso amigo cuja doença degenerativa torceu à cadeira de rodas, outros, estranhos e conhecidos, sorrisos e olhares ameaçadores. Julgo que nada disto é verdadeiro, parece-me que estão todos desesperados. Na bicha sou acusada de roubar um ramo de flores destinado, e pago a peso de ouro, a outra pessoa, sou acusada de tirar uma sobremesa que não é a estipulada pelo menu a que tenho direito. No fim roubo a sobremesa mais cara e agonio sob peso do pseudo-creme doce.

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No fim de um dos corredores de quartos e balneários, surge a gruta aquática onde está aquela família (a nossa família?) e os bebés estão estranhos. Os bebés são estranhos. Tomo um nos meus braços e vamos nadar. Os olhos dele estão já mortos e exige submergir para sempre. Procuro ganhar tempo, oferecer-lhe contacto com o seu irmão humano, dar-lhe de comer. À medida que o dia declina sabemos que a transformação é inevitável e visível na textura da sua pele que se torna a cada minuto mais lustrosa e escorregadia e no seu corpo inchado, disforme, inumano.

Liberto-o e vemo-lo deslizar na massa de água negra. Não hesita nunca porque essa é a sua natureza e esse será também o seu fim.

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É necessário desmontar a exposição, os quadros são agora extensos painéis no relvado húmido, verde, noite. Está em causa contrabandear a madeira e fugir daquela prisão. As tábuas são imensas, todos os painéis estão escorados com pesadíssimas vigas maciças e o camião é carregado clandestinamente por várias pessoas. A contrapartida é pintarmos 6 outdoors cobrindo a publicidade neles exibidos. Ao longo da estrada, montados nas pranchas roubadas, vamos cruzando o trabalho feito pelo primeiro grupo de fugitivos. Tememos pela nossa segurança: a pintura é humilhante, são visíveis os fantasmas daquilo que ali constava anteriormente e isso coloca-nos ainda mais em perigo.

Sei que é apenas um rapaz, mas permito que o desconhecido sentado atrás de mim envolva os seus braços à volta do meu corpo e me masturbe por cima da roupa. Prefiro não lhe conhecer o rosto.

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